Ao
acompanhar os estudos dos meus filhos, dei particular atenção às obras de
literatura portuguesa de leitura obrigatória para os alunos do secundário, onde
se inclui, com grande relevo, o Memorial
do Convento de José Saramago.
Está
fora de questão o mérito literário de José Saramago, que lhe valeu o Prémio
Nobel e que faz com que já me tenha deparado com traduções das suas obras em
escaparates de livrarias de vários países.
Mas não posso deixar de sublinhar a forma repetitiva, insistente, quase obsessiva, como nessa obra está presente a crítica à religião católica. Esta é associada à intolerância inquisitorial, à superstição ridícula, à repressão da sexualidade (também esta uma obsessão), ao luxo e ao fausto em contraste com a pobreza, mas também ao dolorismo masoquista sob a capa da penitência. A cada passo, de modo que se vai tornando cada vez mais previsível, surgem as provocações ofensivas e blasfemas, por vezes a roçar o mau gosto.
Mas não posso deixar de sublinhar a forma repetitiva, insistente, quase obsessiva, como nessa obra está presente a crítica à religião católica. Esta é associada à intolerância inquisitorial, à superstição ridícula, à repressão da sexualidade (também esta uma obsessão), ao luxo e ao fausto em contraste com a pobreza, mas também ao dolorismo masoquista sob a capa da penitência. A cada passo, de modo que se vai tornando cada vez mais previsível, surgem as provocações ofensivas e blasfemas, por vezes a roçar o mau gosto.
Poder-se-ia
pensar que o alvo dessa crítica não é a cristianismo na sua essência, ou o
catolicismo na sua essência, mas apenas uma sua expressão histórica, a que deu
origem à Inquisição, ou a do período barroco, que sempre poderiam ser
criticadas, até pelo seu contraste com a pureza da mensagem cristã. Não podemos
esquecer os sucessivos pedidos de perdão do Papa João Paulo II pelos erros
históricos dos “filhos da Igreja”, onde se inclui, entre outros, o uso da
violência (através da Inquisição) ao serviço da pretensa defesa da verdade da
fé (ver, por exemplo, o livro de Luigi Accattoli, Quando o Papa Pede Perdão, na sua tradução portuguesa, Paulinas,
1997). Mas as críticas de Saramago vão mais a fundo, atingem a própria essência
da mensagem, as suas raízes bíblicas e evangélicas, como se comprova pela
leitura de outros dos seus livros mais famosos, O Evangelho segundo Jesus Cristo e Caim.
A
esta visão (desfigurada) da Igreja Católica deveria ser contraposta outra face:
a dos seus santos e a do papel que desempenhou historicamente (e desempenha),
na defesa da dignidade da pessoa, dos pobres e doentes, da cultura e da arte.
A
crítica cerrada do Memorial do Convento
ao catolicismo denota, além do mais, incompreensão e desprezo pela cultura
portuguesa, a erudita e a popular.
Também
seria oportuno contrapor a essa crítica o que diz Bento XVI na encíclica Deus Caritas Est. Respondendo ao
filósofo Nietzche, que acusa o cristianismo de, com os seus mandamentos e
proibições, tornar amargas as coisas belas da vida, o agora Papa emérito afirma
que, pelo contrário, nessas coisas podemos encontrar uma alegria pensada pelo
Criador, a qual nos faz pressentir o divino, porque Deus não nos tira nada do
que é humanamente bom, antes o quer purificar e conduzir à plenitude.
O
que me leva a escrever estas observações não é a intenção de reacender as
polémicas que envolveram a obra de Saramago, nem quero fazer a seu respeito um
juízo de intenções, agora que já não está connosco e quando espero que se tenha
aberto à infinita misericórdia de Deus.
O
que me preocupa é que, perante a tristemente generalizada falta de cultura
religiosa dos nossos jovens (muito maior do que a de outras gerações), estes só
venham a conhecer a Igreja católica (e mesmo o cristianismo) através da visão
distorcida que deles é dada pelo Memorial
do Convento.
Longe
de mim advogar a censura à obra de Saramago. Mas a mesma liberdade de expressão
que lhe reconheço deve servir para apontar os limites dessa obra. Nem o seu
alcance internacional, nem mesmo o prémio Nobel, lhe conferem qualquer aura de
intocabilidade. A sensação que tive quando reli agora o Memorial do Convento é certamente a que tiveram muitos dos
professores e estudantes que o lêem por obrigação. Não devem ter receio de
dizer em voz alta e publicamente o que pensam. Nem devemos aceitar passivamente
que seja esta obra a formar as mentes dos nossos jovens sobre a Igreja
Católica.
Pedro Vaz Patto, in A Voz da Verdade
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