segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

MUROS E PONTES


              A eleição de Donald Trump surpreendeu o mundo.
          
         Muitos cristãos, católicos e evangélicos, saudaram essa eleição como um mal menor, face à sua adversária, Hillary Clinton, empenhada em alargar ainda mais as possibilidades de recurso ao aborto como direito absoluto, e capaz de limitar a liberdade de consciência e religião em âmbitos “fraturantes” como esse (ficou célebre um seu discurso em que afirmava que os Estados deviam usar meios coercivos para levar as autoridades religiosas a modificar as suas doutrinas tradicionais quanto a essas matérias). Mal menor porque o aborto será, hoje, o mais grave e sistemático atentado à vida e dignidade humanas.
            
         Este raciocínio envolve, porém um grave perigo: centrar unicamente em duas ou três causas (“single issues”) o empenho político dos cristãos, ignorando ou desvalorizando outras causas também importantes, assim descredibilizando esse empenho e justificando acusações de parcialidade e incoerência. Na verdade, mesmo um eventual “mal menor” não deixa de ser um “mal”. E a agenda de Donaldo Trump suscita justificados receios a quem se guia pela ética social cristã: desde a desregulação da posse de armas, ao incremento ainda maior das desigualdades de rendimentos, à hostilidade sistemática para com imigrantes e refugiados, ou aos atentados ao ambiente.
            
         A eleição de Donald Trump reforça grandemente uma corrente que vem soprando com cada vez mais força em vários países, para que as comissões justiça e paz europeias já haviam alertado na sua ação concertada de há dois anos, designando-a como “nacionalismo de exclusão”: o reforço das identidades nacionais não pela positiva, mas pela hostilidade para como o “outro”. Daí o protecionismo no campo económico, a recusa de acolhimento de refugiados e imigrantes, o acentuar do “conflito de civilizações” numa luta contra o Islão que o associa necessariamente ao terrorismo. Para usar a expressiva metáfora que vem usando o Papa Francisco, pretende-se construir muros mais do que pontes.
            
              Respeitar a vontade dos eleitores e tentar compreender as suas razões não pode levar-nos a esquecer que as maiorias também cometem erros históricos graves (como nas eleições que conduziram ao poder Adolf Hitler, por exemplo). 
          
       A globalização económica tem acarretado benefícios e injustiças. Tem acentuado desigualdades, mas também tem permitido a muitas pessoas (sobretudo na China e na Índia) sair da pobreza. Exige uma regulação, no campo dos direitos sociais e da fiscalidade, que tem faltado até aqui. Mas não pode «deitar-se fora o bebé com a água do banho». A alternativa passa por uma globalização regulada, não pelo isolacionismo proteccionista, que favorece algumas empresas nacionais em detrimento de outras, dos consumidores e dos países emergentes. Um documento recente dos bispos da União Europeia e dos Estados Unidos (ver www.comece.eu) alertava para aspetos contestáveis do tratado de livre comércio e investimento entre essas duas zonas económicas (o TTIP) que vem sendo negociado (e que agora parece comprometido face à eleição de Donald Trump), mas sem colocar em causa as vantagens do incremento desse comércio e desse investimento.
            
               A hostilidade para com imigrantes e refugiados esquece as lições da história, que revela como as migrações podem beneficiar quer os países de emigração, que os de imigração. Os exemplos de Portugal e dos Estados Unidos revelam isso mesmo.
            
                Seria muito ténue e pouco sólida a identidade de um povo e de uma cultura que receia perder-se pela simples convivência com outro povo ou outra cultura. Essa convivência pode ser fonte de enriquecimento recíproco.
           
            E, sobretudo, a identidade cristã de um povo e de uma cultura reforça-se com atitudes cristãs, de acolhimento e hospitalidade, não com atitudes (“pagãs”) de fechamento e hostilidade, reforça-se construindo pontes, e não muros.


                                                                                   Pedro Vaz Patto