quinta-feira, 19 de abril de 2012

GIANFRANCO RAVASI

 

Um cardeal que se estreou na rede com um blog pessoal, que colabora com vários jornais online, que vai à TV, que escreve todos os dias a coluna Mattinale do jornal Avvenire, que participa em conferências com os mais variados temas, que organiza encontros inéditos no Vaticano para jovens. Agora, viaja pelo mundo com a sua iniciativa do "Pátio dos Gentios".


Gianfranco Ravasi nasceu em Merate (Lecco, Itália), em 1942. Recebeu a ordenação sacerdotal em 1966. Biblista e hebraísta, tem publicada uma vastíssima obra literária, com mais de cento e cinquenta volumes, tratando sobretudo temas de carácter bíblico e científico. Há somente dois títulos publicados em português: A Bíblia — Resposta às Perguntas Mais Provocadoras (ed. Paulus) e Via-Sacra no Coliseu (Paulinas).
Desde 2007, Gianfranco Ravasi assumiu a missão de presidir ao Conselho Pontifício da Cultura. No âmbito das acções deste Conselho, foi inaugurado, no ano passado um novo departamento do Vaticano, denominado “Pátio dos Gentios”, que visa «favorecer o intercâmbio e o encontro» entre crentes e não crentes.
A primeira iniciativa desta “estrutura permanente” aconteceu a 24 e 25 de Março, de 2011, em Paris. Na capital francesa, realizaram-se três colóquios sobre o tema “Religião, luz e razão comum”: na sede da UNESCO, Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura; na Universidade da Sorbonne; e na Academia de França. Aconteceu também «festa» especialmente pensada para os mais jovens, tendo como tema “No pátio do Desconhecido”, na catedral de Notre Dame de Paris, com “música, espectáculos e um encontro de reflexão”, seguindo-se uma vigília de oração e meditação.
O “Pátio dos Gentios” evoca o espaço homónimo que, no antigo Templo de Jerusalém, hospedava os não judeus. Segundo as palavras de Ravasi, este espaço nasce da necessidade de diálogo com os não crentes: “A Igreja não se vê mais como uma ilha separada do mundo. Ela está no mundo. O diálogo, portanto, é para ela uma questão de princípio. Porque, nas nossas sociedades orgulhosas por serem secularizadas, constata-se, porém, que surgem perguntas fundamentais. Testemunho disso é o interesse pelo sagrado, a New Age ou também pelo sobrenatural e pela magia... Para responder a essa urgência, os grandes modelos culturais e religiosos apresentam-se com legitimidade”.
O Conselho Pontifício para a Cultura, segundo as tarefas definidas em 1988 pelo Papa João Paulo II, tem como missão promover as relações entre a Igreja e o mundo da cultura, «a fim de que a civilização do homem se abra cada vez mais ao Evangelho, e os cultores das ciências, das letras e das artes se sintam reconhecidos pela Igreja como pessoas ao serviço da verdade, do bem e do belo».
 Foi o próprio Bento XVI que idealizou um departamento permanente para o diálogo entre crentes e não crentes, dando-lhe o nome do átrio, que hospedava não hebreus, fiéis de outras religiões e agnósticos, no antigo Templo de Jerusalém. Esta nova fundação vaticana nasce com o propósito de solicitar um confronto aberto em matéria de fé, entre crentes e não crentes. “O diálogo – explica D. Gianfranco Ravasi – pressupõe um intercâmbio de argumentações rigorosas com a própria identidade, sem sincretismo ou vagos ‘concordismos’”.
O cruzamento entre as diversas perspectivas pode acontecer à volta de temas comuns como a ética, a antropologia, a espiritualidade, as perguntas «últimas» sobre a vida e a morte, bem e mal, amor e dor, verdade e mentira, paz e natureza, transcendência e imanência.
Por esta via, pode-se chegar até à pergunta sobre o Desconhecido, o Théos Ágnostos, o Deus desconhecido, ao qual se referia São Paulo no seu célebre discurso no Areópago de Atenas (Act 17,22-31), referido por Bento XVI ao dar início à actividade do “Pátio dos Gentios”.
Sem esperar conversões ou inversões de caminhos existenciais, mas evitando sobretudo as digressões no vazio, na banalidade, nos estereótipos, Gentios e Cristãos – cujos pátios são contíguos na cidade moderna – podem descobrir consonâncias e harmonias mesmo na sua disformidade; podem ir além das linguagens somente referenciais ou polémicas e levantar o olhar em direcção ao Ser na sua plenitude, a uma humanidade muitas vezes demasiado curvada apenas sobre o imediato, sobre a superficialidade, sobre a insignificância. Como sugeria num dos seus Canti ultimi, o padre David Maria Turoldo: «Irmão ateu, nobremente pensativo, / à procura de um Deus / que eu não sei dar-te, / atravessemos juntos o deserto. / De deserto em deserto, andemos para além / da floresta das fés, / livres e nus em direcção / ao Ser Nu / e lá / onde a palavra morre / tenha fim o nosso caminho».
Mas, como explica Ravasi, o “Pátio dos Gentios” não é propriamente um lugar de evangelização: “Somos como Paulo diante do Areópago de Atenas. Dizemos aquilo que acreditamos diante daqueles que não acreditam e que nos escutam. Embora estejamos conscientes do facto de que todas as grandes propostas culturais e religiosas não são só informativas, mas também "performativas": abrem a uma acção. Basta ler Dostoiévski, Pascal, Dante, Nietzsche...”

Nuno Almeida, in Protagonistas