Salienta o Papa Francisco, na sua mensagem para o
Dia Mundial da Paz de 2017, que a violência não permite alcançar objetivos de
valor duradouro e desencadeia uma espiral de morte infindável, que beneficia
apenas poucos “senhores da guerra”. Há, então, que buscar resolver as
controvérsias pelas vias da razão, das negociações baseadas no direito, na
justiça e na equidade. A não-violência deve tornar-se o estilo característico dos
relacionamentos e da ação política.
A não-violência a que alude o Papa não se
confunde com a rendição ou a passividade; pelo contrário, é ativa e criativa e
exige o máximo empenho e coragem. É potente e eficaz, como o revelam os
exemplos históricos de Gandhi na libertação da
Índia, Martin Luther King Jr contra a discriminação racial, ou João Paulo II e outros
na queda do comunismo.
Haverá quem considere que esta é uma visão irrealista, que a
guerra continua a ser um meio de reolução de muitos conflitos.Ou que será fraco
o eco destas palavras do Papa junto dos políticos. Alguns destes, a seu tempo,
responderam aos apelos de João Paulo II contra a guerra do Iraque dizendo que
respeitavam essa sua posição, mas tinham outras responsabilidades como
políticos, diferentes das de um líder religioso... E não seguiram esse apelo
(teria sido melhor se o tivessem seguido- podemos afirmar hoje com certeza).
Mas não será irrealismo maior, e uma irresponsabilidade também no
plano da eficácia política, pensar que a guerra resolve os complexos problemas
com que nos deparamos hoje? Quase sempre a guerra cria mais problemas do que
aqueles que possa resolver. Se pode ser legítima para “desarmar o agressor”,
sê-lo-á em situações excecionais (e cada vez mais excecionais, se encararmos os
progressos do direito internacional como uma conquista da civilização), sendo
que parece continuar a ser vista como regra. «Com a guerra tudo se perde, com a
paz tudo se ganha»- também afirmou noutras ocasiões o Papa.
Disso é prova evidente a atual guerra na Síria (mas também o são
as anteriores guerras no Iraque e na Líbia). Dela resultam mortos, desalojados,
refugiados e um verdadeiro caos social e político (e as suas consequências
teriam sido ainda mais graves se tivesse havido um maior envolvimento das
potências ocidentais, o que foi evitado, em grande medida, graças aos apelos do
Papa Francisco). Os ódios acumulados e o fosso entre as várias comunidades são
agora muito maiores. Em nada melhorou a situação desse país depois destes anos
de guerra, e independentemente do seu desfecho. «Ninguém é vencedor nesta
guerra» - afirmou António Guterres no discurso da sua tomada de posse como
secretário-geral da O.N.U.. O desafio é, agora, precisamente, o que indica o
Papa na sua mensagem: negociar com base na razão, no direito, na justiça e na
equidade. Só assim poderão ser curadas as feridas e superado o caos social e político.
A guerra na Síria também não serviu para implementar a democracia,
como alguns pretendiam (e o mesmo se poderá dizer das guerras no Iraque e na
Líbia). Os povos do Médio Oriente não estão condenados a viver em ditadura.
Quando oiço cristãos dessa região enaltecer ditadores porque garantiam a sua liberdade
religiosa, fico algo perplexo, mas compreendo: na verdade, a chamada “primavera
árabe” tem contribuido para o terrível êxodo dos cristãos de uma terra que
habitam desde os primeiros tempos do cristianismo. É que a democracia não
implica só a regra da maioria. Esta pode originar o totalitarismo se não
implicar também a limitação do poder e, sobretudo, o respeito pelos direitos
humanos, de entre os quais assume particular relevo o da liberdade religiosa. E supõe um substrato social e cultural que não
se impõe por decreto, não se improvisa e se constrói pacientemente. E também
para esse efeito, a guerra cria mais problemas do que aqueles que possa
resolver.
Pedro Vaz Patto
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