Têm sido muito discutidos
anunciados projetos governamentais que tendem a dar às famílias a oportunidade
de optar, sem maiores encargos financeiros, entre escolas estatais e não
estatais.
Esta
discussão tem assumido contornos marcadamente ideológicos, dividindo a direita
e a esquerda. Não é assim em países em que, desde há muito (como a Bélgica e a
Holanda) ou mais recentemente (como a Suécia), vigoram sistemas como os que agora
são propostos e que aí recolhem consensos que ultrapassam as querelas
ideológicas entre direita e esquerda.
Contra
esses sistemas, tem-se dito entre nós que favorecerem as escolas privadas em
detrimento das públicas, sendo que estas representam um espaço privilegiado de
convívio pluralista e socialmente diversificado, quando as primeiras contribuem
para a segregação social e religiosa.
Este
tipo de críticas esquece o princípio básico que nesta matéria está em jogo. Não
se trata de favorecer escolas privadas em detrimento das públicas, nem de
colocar umas e outras em confronto, como se umas fossem sistematicamente
melhores do que as outras. Nem se trata, apenas ou fundamentalmente, de colher
os benefícios da concorrência também nesta área. O que está em causa é, acima
de tudo, o valor da liberdade de ensino, que supõe a liberdade de escolha entre
vários modelos. E os vários modelos em confronto não refletem apenas o maior ou
menor sucesso de uns ou outros, nem simples diferenças de técnicas pedagógicas,
refletem também diferentes propostas quanto à visão da pessoa humana e da sua
vocação, incluindo na sua dimensão religiosa. É fundamentalmente este aspeto
que confere a maior relevância ao princípio, consagrado no artigo 26.º, n.º 3,
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de que «aos pais compete a prioridade
do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos».
Nesta
linha, proclama a Carta dos Direitos da Família (apresentada há trinta anos
pela Santa Sé a todo o mundo), no seu artigo 5.º, b), que «os pais têm o
direito de escolher livremente as escolas ou outros meios necessários para
educar os seus filhos, em conformidade com as suas convicções. Os poderes
públicos, ao repartiram os subsídios públicos, devem fazer de tal forma que os
pais fiquem verdadeiramente livres de exercer este direito sem terem que se
sujeitar a ónus injustos.»
Não
se trata de desvalorizar a escola pública. Esta não há-de desaparecer, como não
desapareceu em nenhum dos países acima referidos. O Estado mantém
responsabilidades neste campo, só deixa de atuar em monopólio e passa a fazê-lo
de forma concorrente ou supletiva. Haverá quem, no exercício da sua liberdade,
opte por escolas estatais e haverá muitos locais onde não chegam iniciativas
particulares e tem de chegar o Estado.
Quem
reconheça mais vantagens na escola pública, pelo seu pluralismo e suposta
neutralidade, continuará a ter o direito de por ela optar. Mas quem considere
que essa neutralidade não existe, é apenas aparente ou se traduz em
relativismo, ou que a irrelevância da dimensão religiosa da pessoa torna
qualquer ensino truncado e incompleto, também há-de poder optar por outro tipo
de escolas. Estas podem propor (sem impor) um ensino de inspiração cristã ou
outra, mas não são necessariamente fechadas a pessoas de outras convicções.
Muitas
vezes se associa o ensino não estatal a uma classe socialmente privilegiada.
Essa classe é a que hoje, em Portugal e com poucas exceções, pode beneficiar
desta tão importante liberdade de escolha. Qualquer proposta que, através do
financiamento público das escolas ou das próprias famílias, permita alargar
essa liberdade de escolha a qualquer família, independentemente dos seus
recursos, contribui para reduzir a injustiça social do sistema que entre nós
vigora.
Esta
injustiça tem levado a que se diga da liberdade de ensino que é, entre nós, a
“última das liberdades”, ou seja, a que, em quase quarenta anos de democracia, ainda
aguarda o seu pleno exercício por todas as famílias. É sabido como,
historicamente, os regimes políticos totalitários sempre pretenderam substituir
as famílias através do doutrinamento das gerações jovens com recurso ao ensino
estatal. Só a liberdade de ensino afasta definitivamente esse risco e respeita
cabalmente os direitos da família.
Pedro Vaz Patto