Passaram os quarenta dias de caminhada quaresmal. Entramos agora no tempo da Páscoa, que não se resume ao Tríduo Pascal, mas nos leva, com Cristo ressuscitado, até ao Pentecostes, à vinda do Espírito Santo.
Depois de expressar a fé da Igreja em Deus Pai Criador e no Filho Redentor, o Símbolo dos Apóstolos afirma: “Creio no Espírito Santo”; e o Símbolo de Niceia-Constantinopla acrescenta: “…Senhor que dá a vida, e procede do Pai e do Filho, e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado: Ele que falou pelos Profetas”. Esta é a síntese da fé da Igreja relativamente àquele que habitualmente é chamado “a terceira Pessoa da Santíssima Trindade”.
Quem é o Espírito Santo? Apresentamos uma síntese da forma como Ele nos aparece na Sagrada Escritura.
No Antigo Testamento
a) Os termos ruah e pneuma, que costumamos traduzir por espírito, são nomes comuns, que designam o vento, a respiração, o hálito de vida existente nas criaturas. Estas são forças misteriosas e inefáveis. O vento pode ser violento, mas também é indispensável para que tudo se mova e a sua brisa suave não deixa de ser agradável. A respiração é a força que sustem e anima o corpo. Ambos vêm de Deus, e o sopro de vida que Iahweh insuflou em Adão (Gn. 2, 7: “Então Iahweh Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente”) volta a Ele com a morte do homem e da mulher.
No homem, o espírito não é a mesma coisa que a alma, pois a concepção de alma imortal distinta do corpo não existe na Bíblia Hebraica. Existe sim o conceito de homem como uma unidade inseparável de corpo e espírito. No entanto, o espírito opõe-se à carne, se entendemos esta como a parte corruptível e mortal do homem, enquanto o alento vital lhe é dado por Deus, até à morte.
b) Usa-se também a expressão espírito de Deus para falar da acção, força e dinamismo divinos. O espírito de Iahweh revela-se sobretudo como uma força divina que se manifesta na criação (Gn. 1, 2: “...um vento de Deus pairava sobre as águas”) e nas pessoas humanas, transformando-as e fazendo-as capazes de grandes gestos. Estes gestos destinam-se a confirmar o povo na sua vocação e a ajudá-lo a ser fiel ao seu Deus.
O espírito de Iahweh inspira os profetas, e isto é reconhecido sobretudo depois do exílio. É também ele o espírito carismático que suscita os juizes e os reis de Israel, e é nele que é ungido o servo de Iahweh (cf. Is. 61, 1: “O espírito do Senhor Iahweh está sobre mim, porque Iahweh me ungiu”). Com efeito, o espírito abre aos profetas a Palavra de Deus e transforma-os em testemunhas, e Iahweh coloca o seu espírito sobre o seu servo (cf. Is. 42, 1).
c) Em algumas passagens do A. T. aparece também a expressão Santo espírito (por ex. no Sl. 51, 13: “...não me rejeites para longe de tua face, não retires de mim teu santo espírito) ou Espírito santo (por ex. em Is. 63, 10), mas o Espírito Santo não é ainda apresentado como uma pessoa distinta do Pai e do Filho. É simplesmente o Espírito de Deus, que é santo e se comunica à humanidade.
No Novo Testamento, usa-se o termo grego pneuma. No N. T. há alguma influência dos escritos do judaísmo extra-bíblico. Fala-se do Espírito de Deus (ou do Espírito Santo) em todos os evangelhos e em outros escritos neotestamentários, mas a sua explicitação como pessoa dá-se sobretudo em S. Lucas e nos Actos dos Apóstolos, em S. Paulo e em S. João.
a) Em primeiro lugar, o Espírito de Deus manifesta-se em Jesus: na sua concepção (cf. Mt. 1, 18.20: 18“Maria, sua mãe, comprometida em casamento com José, antes que coabitassem, achou-se grávida pelo Espírito Santo” [...]; 20“José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher, pois o que nela foi gerado vem do Espírito Santo”; Lc. 1, 35: “O anjo lhe respondeu: ‘O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo vai te cobrir com a sua sombra”), no seu baptismo (Mt. 3, 13-17; Mc. 1, 9-11; Lc. 3, 21-22; Jo. 1, 29-34: 32“E João deu testemunho, dizendo: ‘Vi o Espírito descer, como uma pomba, vindo do céu, e permanecer sobre ele”. 33“Eu não o conhecia, mas aquele que me enviou para baptizar com água, disse-me: ‘Aquele sobre quem vires o Espírito descer e permanecer é o que baptiza com o Espírito Santo’”), na sua ida para o deserto (Mt. 4, 1; Mc. 1, 12; Lc. 4, 1: “Jesus, pleno do Espírito Santo, voltou do Jordão; era conduzido pelo Espírito através do deserto...”), nos momentos de intimidade com o Pai através da oração (Lc.10, 21: “Naquele momento, ele exultou de alegria sob a acção do Espírito Santo e disse: ‘Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste essas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos’”), no seu ministério público (por ex. quando expulsa os demónios ou quando opera os seus milagres) e na sua morte e ressurreição: Jesus, entregando o seu espírito (Lc. 23, 46; Jo. 19, 30), prepara a efusão do Espírito Santo sobre os seus. Na entrega do espírito de Jesus ao Pai, realiza-se a glorificação da Santíssima Trindade.
b) Antes de partir deste mundo, Jesus promete o envio do Espírito Santo, que virá como consolador, defensor e intercessor (Jo. 14, 16: “...e ele vos dará outro Paráclito...”; 16, 7: “...se eu não for, o Paráclito não virá a vós. Mas se eu for, enviá-lo-ei a vós.”), como Espírito da Verdade (Jo. 14, 17; 16, 13. “...ele vos conduzirá à verdade plena...”), como aquele que tudo ensina (Jo. 14, 26: “Mas o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos disse”), que irá desmascarar a culpabilidade do mundo (cf. Jo. 16, 8-11) e que glorificará o próprio Jesus Cristo (Jo. 16, 14: “Ele me glorificará porque receberá do que é meu e vos anunciará”).
c) Depois da sua ressurreição, Jesus concedeu o Espírito Santo aos Apóstolos, para que pudessem cumprir a sua missão: “Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; aqueles aos quais os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo. 20, 22-23). Mandou-os também baptizar os novos discípulos “...em nome do Pai, do Filho e dos Espírito Santo” (Mt. 28, 19).
d) A grande manifestação do Espírito Santo à Igreja nascente dá-se porém no Pentecostes. Segundo o texto de Act. 2, 4, “...todos ficaram repletos do Espírito Santo...”. Deu-se aqui o cumprimento da promessa de Jesus Cristo, de que não deixaria órfãos os seus discípulos. O Espírito Santo é o defensor e consolador prometido, e por Ele os discípulos darão testemunho de Cristo. É pela sua acção que a Igreja se dá a conhecer ao mundo e se liberta das peias que o judaísmo insiste em lhe colocar. Os Apóstolos perdem o medo de testemunhar a sua fé em Jesus Cristo ressuscitado e lançam-se na missão de anunciar o Evangelho ao mundo, porque o Espírito Santo está com eles. É também Ele que guia a Igreja e está presente nas suas grandes decisões. Por isso se diz que o Espírito Santo é a alma da Igreja.
e) A cada cristão Ele concede os dons ou carismas necessários, mas do mesmo modo que garante a comunhão na Santíssima Trindade, também congrega a Igreja na unidade e santifica-a como Corpo de Cristo. Por isso São Paulo pode saudar os cristãos de Corinto com a fórmula trinitária que nós hoje continuamos a usar: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus [Pai]e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós!” (2Cor. 13, 13). Esta é a condição indispensável para sermos Igreja e actuarmos como Igreja.
CONCLUSÕES
Depois desta exposição sobre a forma como a Sagrada Escritura nos fala do Espírito Santo, podemos sintetizar, em jeito de conclusão:
1. O Espírito Santo vai-se manifestando discretamente, até se revelar em força nos momentos mais decisivos da história da salvação. No A. T., «o Espírito Santo, como pessoa, está encoberto», como diz o Papa João Paulo II na sua Encíclica “Dominum et Vivificantem” (cf. n.º 15). Irrompe no N. T., depois de o Filho consumar a sua obra de salvação. De facto, como podemos verificar, no A. T. predomina a figura do Pai; no N. T. predomina a figura do Filho e ao mesmo tempo abre-se o caminho à acção do Espírito Santo na Igreja. Assim se torna explícita a existência da Santíssima Trindade, presente desde o princípio na obra da criação.
2. O Espírito Santo é uma pessoa, mas para se falar dele usa-se a linguagem dos símbolos, que evidenciam aquilo que Ele faz. Eis alguns desses símbolos:
Vento, sinal da força de Deus: o vento destrói obstáculos que pareciam intransponíveis (Act. 2, 2) e é símbolo da força, acção e dinamismo de Deus, que se manifestam logo na criação (cf. Gn. 1, 2) e depois actuam nos profetas (Ez. 1, 4) e nos Apóstolos (Act. 2, 2).
Hálito, alma (alento vital) do homem: Gn. 2, 7.
Água: os rios de água viva de que fala Jesus em Jo. 7, 38 são o símbolo da vida nova no Espírito Santo: “Ele falava do Espírito que deviam receber aqueles que tinham crido nele; pois não havia ainda Espírito, porque Jesus ainda não fora glorificado” (Jo. 7, 39).
A pomba é o sinal da simplicidade, da liberdade e da paz, do calor e da vida, e do mistério de Deus. Conforme a pomba que pousa na arca de Noé (Gn. 8, 6-12) anuncia a nova humanidade, também aquela que aparece no Baptismo de Jesus (Mt. 3, 16) anuncia que Ele é o iniciador da nova criação, o que baptiza no Espírito Santo.
O fogo significa, na Bíblia, a presença amorosa e activa de Deus no meio do seu povo. É sinal de insatisfação, de inquietação, de purificação (Is. 6, 6-7; Ez. 1, 4) e entrega à missão, sobretudo ao ministério da Palavra (cf. Act. 4, 8. 20: a ânsia de proclamar a Palavra é como um fogo que queima). Por isso em Act. 2, 3 o Espírito Santo desce em forma de línguas de fogo.
5. O Espírito Santo é o Espírito da Verdade. É no seu testemunho que «o testemunho humano dos Apóstolos encontrará o seu mais forte sustentáculo» (cf. Dominum et Vivificantem, n.º 5). Assim o Espírito Santo não ensina nada diferente do que Jesus Cristo ensinou, mas pelo contrário, assegura de modo duradouro a transmissão e irradiação da Boa Nova revelada por Jesus de Nazaré (cf. Dominum et Vivificantem, n.º 7).
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