Ó Sagrado Banquete em
que se recebe Cristo, se comemora a Sua Paixão, a alma se enche de graça e nos
é dado o penhor da futura glória. A Eucaristia é refeição e festa, onde Cristo se dá em
alimento. É memorial da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus, que nos dá a
graça e a vida eterna. É a suma dos mistérios da encarnação, da redenção e da vida
gloriosa do Filho de Deus que se dá, por amor. Ela faz a Igreja e é o coração da Igreja. Se a Igreja não cria comunhão
é porque não foi compreendida e assimilada.
1.-Mas porque celebrar a Festa da Eucaristia se há tantas
todos os dias e no dia do Senhor em que Jesus ressuscitou? A festa nasceu, após
uma criança de seis anos, Santa Juliana, ter visto a lua manchada. Por incúria,
ignorância, preguiça e rotina, as manchas caem no melhor pano. Como a Lua, a
Igreja reflecte a luz do Sol, que é Cristo, mas é feita de santos e pecadores.
Há o perigo de se profanar e banalizar o Corpo e o Sangue do Senhor, como em
Corinto, engolindo hóstias sem saber o que se faz, sem distinguir o Corpo e o
Sangue do Senhor. A Festa do Corpo de Deus visa evitar a rotina, distinguir a
Ceia do Senhor do alimento normal, porque a Eucaristia é divina e incompatível
com o pecado e o desregramento e exige verdade, comunhão e vida nova. A festa do
Corpo e Sangue de Cristo surgiu, no século XIII, instituída por Urbano IV, em
1264, a pedido de Santa Juliana, religiosa e mística perseguida, que foi seis
vezes desterrada e expulsa do seu Mosteiro. A festa suscita reparação, desejo
de ver a Deus, adoração de Cristo e a acção de graças. Alimenta a fé na
presença real de Cristo. Foi, na Idade Média, que surgiu a elevação da hóstia e
do cálice, após a consagração para “elevar Deus” e adorar Cristo, na vida e na Procissão
do Corpo de Deus. Cristo está connosco e nós com Ele. Os hinos eucarísticos de
S. Tomás expressam adoração, acção de graças e o louvor à presença real de
Cristo. Na Eucaristia e Procissão pela cidade louvemos e adoremos Jesus
Sacramentado, para que nos encha de graça e nos conserve firmes na fé e na
prática dos mandamentos e das Obras de Misericórdia. Entre as orações de acção
de graças, rezar a que vem, nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de
Loiola:
Alma de Cristo, santificai-me. Corpo de Cristo
salvai-me, sangue de Cristo inebriai-me. Água do lado de Cristo, lavai-me.
Paixão de Cristo, confortai-me. Ó bom Jesus, ouvi-me. Nas Vossas chagas,
escondei-me. Não permitais que me separe de Vós. Do inimigo maligno,
defendei-me. Na hora da minha morte, chamai-me. E mandai-me ir para Vós. Para
que Vos louve, com os vosso Santos. Por todos os séculos dos séculos. Ámen.
Diz o povo que “com pão
e vinho já se anda o caminho”. A Igreja vive da Eucaristia, do pão e vinho
consagrados, que asseguram a presença de Jesus morto e ressuscitado. Na figura
de pão e vinho, está presente o preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade
do Ressuscitado. O Pão e o Vinho, que Melquisedec ofereceu a Deus, são figura
da Eucaristia, banquete sacrificial e festivo, onde Jesus se entrega, no
memorial da Sua Morte, Ressurreição e Vinda gloriosa, sabendo Que Ele esta
sempre connosco.
2. Paulo diz aos Coríntios como Jesus instituiu a Eucaristia.
Na última Ceia, na noite em que foi entregue, tomou o pão, deu graças, partiu-o
e disse: Isto é o meu Corpo entregue por vós. Fazei isto em memória de mim. E,
no fim da Ceia, tomou o cálice com vinho e disse: Este cálice é a nova aliança
no meu Sangue. Todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de mim (1
Cor.11, 23-26). A Eucaristia é aliança. Pede adesão e fidelidade a Deus,
compromisso e adoração. Com razão diz Santo Agostinho: “senão O adoras, não O recebes”.
Paulo contou aos Coríntios o que Jesus fez, não para dizer o
que já sabiam e faziam. Os Coríntios celebravam, no primeiro dia da semana, no
dia da Ressurreição, o memorial do que Jesus fez, na Ceia e na aparição aos
discípulos, em Emaús. Paulo não diz que devem celebrar a Eucaristia, pois, já o
faziam, mas denuncia o modo como celebravam, não distinguindo o Corpo e o
Sangue do Senhor, comendo e bebendo a condenação. A Eucaristia é a comunhão, participação
no memorial da Morte e Ressurreição do Senhor e se não faz, não cria a comunhão
da Igreja, Corpo místico de Cristo, não é dignamente celebrada. Trata-se de não
banalizar nem profanar a Eucaristia. Não basta engolir hóstias, é preciso
adorar, glorificar, deixar-se plasmar pelo Espírito, convertendo-se, colocando
a vida ao serviço e conformando a vida a Cristo, que encarna e se dá em
alimento, para nos plasmar e conformar a Ele, cumprindo a Sua vontade.
3.- Jesus diz aos discípulos: “dai-lhes vós de comer”. Ordena a primeira Obra Corporal de
Misericórdia, o dar de comer a quem tem fome. No Ano Jubilar da Misericórdia,
não basta saber belas noções, há que ajudar, fazer e dar. “O amor mostra-se em
obras, não na ideologia”, mas na misericórdia, no perdão e no dom de si. Não
engolir a hóstia, sem amor e atenção aos outros, sem comunhão eclesial.”Ninguém pode dizer que ama a Deus a quem não
vê, se não ama o irmão que vê”. A Eucaristia faz a Igreja. Se ela não gera
co-responsabilidade, partilha e solicitude, é sinal que a Eucaristia é farsa
para inglês ver. A desunião era o grande mal da Igreja de Corinto. Celebravam a
Ceia, mas não distinguiam o Corpo do Senhor, que é o Corpo Místico, a Igreja
Esposa e Templo do Espírito. Enquanto se vangloriavam, se serviam e esbanjavam,
na bebedeira e nos desregramentos, outros passavam fome, eram desprezados, humilhados
e esquecidos.
Na multiplicação dos pães, Lucas mostra Jesus e os discípulos
em acção (Lc 9,11-17). Jesus acaba de falar do Reino de Deus e cura quem
precisa e os discípulos regressam da missão e contam o que fizeram. Não basta
viver de qualquer forma. A Fé não é uma noção, mas actua pela caridade, pois o
amor a Deus não dispensa, mas exige o amor ao próximo. O dia chegou ao fim,
como na Ceia, quando Jesus instituiu a Eucaristia. A multidão organiza-se em
assembleia litúrgica, em grupos de 50. O milagre da multiplicação prepara e
reenvia para o milagre da Eucaristia, que se expressa e vive no mundo. Enquanto
Jesus, único e eterno sacerdote, parte e abençoa o pão, como em Emaús, os
Discípulos dão a cada um a sua parte de pão e peixe multiplicados. Jesus é o
anfitrião, é o mestre e supremo pastor e sacerdote, mas não dispensa a nossa ajuda.
Os sacramentos exigem de nós fé, docilidade, empenho, conversão, mudança e
desejo de ajudar o Senhor Ressuscitado a resolver os problemas das outras
pessoas. Notar bem que os sacramentos não são gestos mágicos, golpes de teatro,
mas supõem a fé, a obediência, a recta intenção, a conversão, o compromisso diário
e a coerência cristã.
Jesus abençoa, dá e parte o pão, que é Ele mesmo e é sempre
dom. A Eucaristia não é um meu direito, mas sempre o dom gratuito de Deus. Na
Eucaristia, concentramo-nos, em Cristo que se dá, não devemos julgar os outros,
cientes de sermos pedintes, pobres e pecadores. Não sabemos quem é mais
agradável a Deus, se o que comunga sem adorar e sem saber o que faz, quando
engole a hóstia, se o que, não podendo, por respeito e contrição, não recebe a
hóstia, mas, espiritualmente O adora e chora por O não poder receber. Quando
comungamos não olhemos para o lado, não julguemos os outros, como o fariseu da
parábola, para o qual todos eram maus, só ele era o bom e, por isso, orgulhoso
e cheio de vento, voltou para casa sem ser perdoado.
“Todos comeram e
ficaram saciados”. Quando se divide e partilha, os resultados são sempre
muitos. Os Doze Cestos, que sobraram, como os Doze, que o Senhor escolheu e as
Doze tribos do Povo Eleito, são o símbolo da grandeza do bem, da verdade, da
beleza e da alegria partilhada, vivida, em comunhão, com os outros, pois, como
diz o Senhor, “há mais alegria em dar que
em receber” (Act.20,35).
No Novo Testamento, o mistério da Eucaristia é Ceia do
Senhor, Comunhão e Fracção do Pão. Se não há partilha, amor, festa, convívio,
união e inclusão, a Eucaristia não nos toca, não é entendida e assimilada, não
atinge os objectivos para que foi instituída. A desvergonha, o esbanjamento, a
inconsciência, as divisões e a bebedeira das reuniões, ceias ou ágapes da
Comunidade de Corinto nada tinham a ver com a Ceia do Senhor e “traziam para eles mais prejuízo que
benefícios” (1 Cor.11,17). É precisa mais Eucaristia e menos missas
apressadas, de fachada e de auto-endeusamento, sem comunhão e esforço e vontade
de se deixar mudar por Cristo. É precisa a catequese mistagógica e a fé, dando
a conhecer e a saborear o dom de Deus, como pede Jesus à Samaritana. Há que
redescobrir e valorizar a Eucaristia que é o centro e o cume, para o qual tudo
converge. Esforcemo-nos, por não a profanar, adorando Jesus presente, que se dá
e nos pede para amarmos os outros, como Ele o fez, sem odiar e sem excluir ninguém,
dialogando, acolhendo, ajudando e integrando quem quer que seja. Amen.
+ Amândio José Tomás, bispo de Vila Real
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