quarta-feira, 7 de maio de 2014

BARRIGAS DE ALUGUER


“BARRIGAS DE ALUGUER”

Foi noticiado que será em breve votada uma proposta de legalização da chamada “maternidade de substituição” (vulgarmente conhecida como “barriga de aluguer”). Pretende-se tornar lícita tal prática em situações de infertilidade patológica e com exclusão de propósitos lucrativos. E, como vai sendo habitual em situações semelhantes, apresentam-se exemplos concretos, suscetíveis de provocar natural empatia, de casais que assim veriam aberto o acesso à paternidade e maternidade. Mas importa considerar a questão em profundidade e com atenção a todas as suas implicações.
Uma discussão profunda da questão tem ocorrido, por exemplo, em França, onde uma importante corrente de pensamento, conotada com a esquerda, denuncia vigorosamente essa prática como expressão de um grave retrocesso social. É o que faz, o documento Mères Porteuses; Extension du Domaine de l´Aliénation elaborado no âmbito da fundação Terra Nova – La Fondation Progressiste. Nele se afirma que a maternidade de substituição representa «a mais recente e a mais chocante das extensões do domínio da alienação», ou seja, da coisificação e instrumentalização da pessoa, de que são principais vítimas as mulheres mais pobres.
Na mesma linha se pronuncia a filósofa Sylviane Agacisnky, esposa do antigo primeiro-ministro socialista Lionel Jospin, no livro Corps em miettes (Flamamrion, 2013).
Sylviane Agacisnky desmascara aquilo que considera alguns mitos. Um deles é o da pretensa finalidade terapêutica. É óbvio que não será desta forma que os casais inférteis passarão a ser férteis, sendo que a criança nunca terá a mesma ligação à mãe “intencional” ou “genética” que tem quando a gestação se dá de forma natural.
Outro mito é o da gratuidade. A experiência tem revelado a extrema dificuldade em impedir a comercialização encapotada por detrás da suposta não onerosidade dos contratos. A “compensação de despesas” acaba por ter efeitos idênticos aos do pagamento. Só situações de grande carência económica levam mulheres a sujeitar-se a tão traumatizante experiência (não é por acaso que a prática se vem difundindo na Índia) e essa sujeição não pode considerar-se expressão autêntica de liberdade.
Questões a ter em conta, para além do desejo dos requerentes, são o bem da criança e o bem da “mãe de substituição”.
O filho nunca deixa de sentir o abandono a que é sujeito. Cada vez se conhece melhor os intercâmbios entre a mãe gestante e o feto e a importância desse intercâmbio para o salutar desenvolvimento físico, psicológico e afectivo deste. A criança não poderá experimentar a segurança de reconhecer, depois do nascimento, o corpo onde habitou durante vários meses.
Em especial, devem ser considerados os graves danos para a mãe gestante, que não pode deixar de viver a gravidez como sua e de sofrer com o abandono do filho que lhe é imposto (a imposição de renúncia à mais espontânea e natural das obrigações: cuidar do filho que se gerou). O útero é inseparável do corpo e da pessoa, não é um alojamento temporário, ou um instrumento técnico. A gravidez não é uma actividade como qualquer outra; transforma a vida da mulher fisica, psicologica e moralmente; situa-se – salienta Sylviane Agacisnky – não no domínio do ter ou do fazer, mas no domínio do ser.
É por isto que esta filósofa fala a este respeito em “alienação biológica”. A mãe gestante «deve viver nove meses, vinte e quatro horas sobre vinte e quatro horas, abstraindo da sua própria existência corporal e moral. Deve transformar o seu corpo em instrumento biológico do desejo de outrem, em suma, ela deve viver ao serviço de outrem, privando a sua existência de qualquer significado para ela própria». «Uma mulher paga para estar grávida come, dorme e dá à luz ao serviço de outrem. Serve de instrumento de procriação como um forno serve para cozer o pão. (…) é a sua individualidade que ela aliena, ou seja, a sua vida íntima e pessoal, a qual devia ser insubstituível» Quando «o direito de cada um viver para si mesmo, segundo os seus próprios fins, está no coração da nossa concepção de liberdade e dignidade humana »
Em vários países, é reconhecido à mãe gestante o direito de se arrepender e ficar com a criança à sua guarda (o que não deixa de ser contraditório com a obrigação que assumiu perante os requerentes). Comenta a este respeito Sylviane Agacinsky: não significa isso o reconhecimento implícito de que se estão a «violentar sentimentos humanos profundos e legítimos» e a «ferir emoções humanas elementares»?
Em suma, conclui esta filósofa francesa (e seria bom que concluíssem também os nossos deputados): o mercado das “barrigas de aluguer” «é essencialmente cruel e nenhum enquadramento jurídico poderá torná-lo mais humano».  
  
                                                                           Pedro Vaz Patto


CEM DIAS PARA A EUROPA


Entrevista a Patrizia Mazzola e Letizia De Torre, a menos de 100 dias das próximas eleições europeias.

Paolo Balduzzi
Nos dias 24 e 25 de maio de 2014 vão realizar-se as votações para a renovação do Parlamento Europeu. Pedimos à Dra. Letizia De Torre e a Dra. Patricia Mazzola que nos explicassem o significado desta eleição. Letizia De Torre é presidente internacional do Movimento Político pela Unidade (MPPU); é professora e foi Deputada do Parlamento por dois mandatos. Patricia Mazzola é presidente da Comissão Internacional "Política e Administração Pública e Globalidade" do Movimento Humanidade Nova. Professora também, militante política ativa por muitos anos, especialmente na Sicília, sua região de origem.

Qual é a importância histórica das eleições europeias de 2014?

Mazzola: "Concentro-me em alguns pontos: nos últimos anos, a União Europeia tem se mostrado como uma presença capaz de liderar o debate público em relação às questões de interesse comum limitando, verdadeiramente, os assim chamados “poderes fortes” que em alguns casos fazem prevalecer os interesses de poucos em detrimento da coletividade. Temos que ter claro que sem uma ação em nível de Europa é impossível chegar a solução de problemas que hoje afetam os nossos países. No contexto da imigração, vamos pensar no que aconteceu em Lampedusa: sem um acordo como Europa nunca vamos entender como conjugar a acolhida com a legislação, a luta contra a pobreza com uma visão mundial dos problemas, que permita encontrar soluções eficazes e duradouras. Sabemos pouco do que acontece na Europa, até porque faltam os contatos diretos com os parlamentares europeus, a Europa ainda está longe de nós. Estas eleições são uma ocasião da Europa entrar na vida cotidiana das pessoas.”.

De Torre: “Eu gostaria de tocar em três pontos fundamentais: em primeiro lugar, existem problemas que precisam de uma solução “pelo menos” continental (dois exemplos: a questão do trabalho e da imigração). Em segundo lugar, devemos entender que as decisões tomadas em Bruxelas afetam muito mais as nossas vidas do que aquelas tomadas em Roma ou nos nossos municípios. Em terceiro lugar, a exigência, por parte dos cidadãos, de participação dos processos de decisão, como podemos ver nas manifestações das ruas, no mundo inteiro. As próximas eleições europeias são um momento privilegiado para fazer ouvir a nossa voz. Além do mais, esta será a primeira vez que o presidente da Comissão Europeia será escolhido pelo parlamento em Estrasburgo.
Em um momento de grande transformação, com a formação de novos equilíbrios, como nós podemos pensar em competir com o mundo, como podemos esperar de tutelar a paz, de influenciar nas escolhas financeiras e econômicas nos pequenos estados?
Em 2050, a Europa terá 7% dos 7 bilhões de habitantes: não podemos senão nos apresentarmos juntos, como um continente, com a riqueza da nossa história e cultura milenária, é claro, mas também com uma contribuição nova, inédita, que a Europa deve elaborar e oferecer ao mundo contemporâneo.”.

Porque é que hoje a Europa é fraca?

De Torre: “Porque parou no seu processo de integração. Os Estados nacionais deixaram de impulsionar o processo político da UE. Vão para Bruxelas para negociar mais recursos para questões internas, e, depois, atribuem à Europa o que não vai bem no próprio país. É uma atitude destrutiva que não faz jus à verdade. A União Europeia representa um crescimento em humanismo, em civilização e em oportunidades para todos, apesar das limitações que ela tem e que pode e deve ser encarada, abordada e resolvida. É necessário que cada cidadão europeu redescubra a força da Europa, a responsabilidade da Europa para com o mundo e o orgulho de fazer parte de um continente que, pela primeira vez na história do mundo, escolhe iniciar um percurso em direção a uma única entidade política. E isto livremente, em igualdade entre todos os povos e todas as minorias, com um propósito de paz e não de exploração, para reconstruir a fraternidade após duas guerras devastadoras. Unidade na multiplicidade das diversidades, entendidas como riqueza. Quem tem o direito de interromper este percurso?”.

Como é que o Movimento Político pela Unidade e o Movimento Humanidade Nova se inserem neste processo?

De Torre: “Nós todos da unidade, não podemos não acreditar na União Europeia, porque se “realmente” pensamos que a fraternidade universal é o destino da humanidade esta se realizará inclusive nas grandes agregações: no Mercosul, na União Africana, no Diálogo para a cooperação asiática, na União Europeia: são exemplos de organismos que surgiram por várias razões, incluindo a financeira e comercial, mas que ainda representam um forte impulso para a unidade. É um processo que vai para frente por si mesmo, como nos mostra a história, mas se neste caminho cada um de nós fizer a própria parte, ele será acelerado, com o benefício de todos.”.

Mazzola : “O slogan da Europa é a unidade na diversidade, unidade que deve conservar as diferenças nacionais. Nossa tarefa é essa: sensibilizar o eleitorado sobre a importância dessas passagens históricas, dando uma contribuição para ‘desatar’ os nós que impedem reconhecer a importância das diversidades, harmonizando-as em um processo de agregação, que precisa reiniciar. A União Europeia recebeu em 2012 o Prêmio Nobel da Paz e a Europa dobrou o prêmio para projetos que favorecem os países em desenvolvimento. São sinais importantes porque mostram que a Europa não é apenas burocracia, não é só mercado, não apenas interesses de grupos particulares, mas é sobretudo uma ‘chance’ para os europeus e para o mundo inteiro, mesmo se não temos o pleno conhecimento.
Eu falei recentemente com Peter Njume, deputado da República dos Camarões. Estas são as suas palavras: “Quando ouvimos falar da crise europeia, nos reunimos com a comunidade e cada um de nós escreveu uma oração e rezamos todos os dias pela Europa. Acreditamos na Europa, acreditamos neste processo de unificação.”.
Sendo que a UE permite estabelecer pontes, laços invisíveis mas fortes com o mundo, ofereceremos neste site, para quem estiver interessado, artigos, documentos, entrevistas, a fim de que cada cidadão possa formar-se um ideia da Europa que reflita uma realidade que pertence a todos nós e que vai além das eleições que acontecerão em menos de 100 dias.”.